Crise no Parque Eduardo VII

Crise no Parque Eduardo VII

27 Abril — 28 Maio 2019

Dois velhos sentados num banco de jardim… O tempo parece suspenso nas horas imóveis do parque, no outono esquecido da vida. Adivinham-se as voltas do mundo na música que vem de longe, da infância ou do futuro, e que nos vai ensinando que “a beira do fim é tão preciosa como a beira do princípio”. Aparentemente, tudo está parado numa peça sobre a fronteira em que a vida quase se despede de quem quase se despede da vida. Mas “Crise no Parque Eduardo VII” é teatro que subverte as aparências, mostrando como a vida se inventa em cada palavra e em cada gesto do entardecer.</p>

Dois velhos, sentados num banco de jardim… Poderiam ser o palhaço rico e o palhaço pobre, ou Arlequim e Pierrot, ou Vladimir e Estragon à espera de Godot… Mas, sem deixarem de ter um pouco de cada um destes pares de personagens, João Bernardo e Hugo, D. Quixote e Sancho Pança, nas suas tensões, na sua complementaridade, no seu jogo perante o mundo, nas contradições de que se faz o seu e o nosso carrocel da vida. É por isso que esta peça não é apenas uma comédia, nem é apenas uma tragédia, mas é uma comédia às costas da tragédia e, simultaneamente, uma tragédia vestida de comédia. É o riso cravado no drama do quotidiano. É o sonho encenado no realismo existência, o inconformismo que tropeça nas rasteiras da idade, o humor que rasga, com a sua ternura, as certezas cinzentas do dia-a-dia de quem aparece condenado a esperar que o dia anoiteça.

Um velho, porteiro reformado, prestes a ser arrumado no baú das recordações, a contar com mais um dia depois do dia que aí vem: “Somos velhos, não somos ricos e cometemos o pecado de viver devagar”. Outro velho, comunista, ainda e sempre, com a fé suficiente para mudar o mundo e salvar os homens: “as ideias continuam a ser boas e belas, as ideias mantêm- se, são melhores que as pessoas que lhes deram origem”. E desfilam pela cena pedaços da cidade que lhes pertence e a que eles também pertencem: Daniel, o Presidente da Comissão de Condóminos, Clarisse, ex- toxicodependente, perseguida pelo passador, que não quer o nome em saldo na praça pública, Diogo, o jovem que “crava” três notas para proteger os velhos de si próprio, e Catarina, filha de João Bernardo, que se esqueceu dos seus ideais revolucionários e o quer pôr num lar de terceira idade, para defender o pai da selva da cidade. E, perante este desfile, João, o Dom Quixote do Parque, arrasta Hugo, o seu Sancho Pança, para o teatro em movimento, o teatro dentro do teatro: “a gente serve-se da personalidade que dá mais jeito na ocasião”: espião, advogado, capitão da polícia, chefe da Mafia, deputado jubilado, tubarão do cinema.

João e Hugo, protagonistas de “Crise no Parque Eduardo VII”. Dois velhos, nos seus corpos quase parados num banco de jardim. Mas vivos, “autênticos milagres da natureza”. Tudo menos inúteis: “Digam-lhe que é lento ou que é estúpido, mas se lhe dizem que é inútil isso já é um pecado, um pecado contra a vida, é fazer aborto pelo outro lado”.

Nesta peça os protagonistas têm o corpo do seu corpo, mas têm também a força das suas palavras e das suas ideias, que evoluem como personagens numa cena quase vazia: “Está tudo na cabeça… o corpo andou sempre atrás, à boleia!…”

“Crise no Parque Eduardo VII”, mais do que uma peça sobre o entardecer da vida, é um hino à capacidade de a inventar no palco dos nossos sonhos e nos bastidores das nossas fraquezas. Como se a música se transformasse, destiladamente, no realejo de um carrocel em que o dia recomeça…

João Maria André

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Ficha Artística / Técnica

Adaptação, Versão Cénica e Encenação

João Mota

Tradução

João Paulo Moreira

Elenco

Carlos Paulo, Igor Sampaio, Hugo Franco, Maria, Ana Filipe, Miguel Sermão, Gonçalo Botelho e Elsa Galvão

Cenografia

João Mota

Pintura do Espaço Cénico

Renato Godinho

Desenho de Luz

Paulo Graça